Química Verde

O que é a Química Verde?

Adaptado de Marcelino, L. V. Os tipos de racionalidade na Química Verde e suas relações com o ensino. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.

A Química Verde (QV) emerge na década de 1990 como uma resposta proativa da Química aos problemas do ambiente, sendo fruto do moderno ambientalismo estadunidense (décadas de 1960 a 1980), por meio de ações governamentais via Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos e de uma rede de pesquisadores organizadas em torno de um problema comum: a degradação ambiental pelos produtos e processos químicos. Esses pesquisadores consideraram que não bastava limitar e controlar a exposição e o descarte dos produtos químicos, mas era necessário desenvolver rotas sintéticas e produtos químicos inerentemente seguros, agindo, assim, preventivamente aos danos ambientais. A QV possui diversos locais de atuação, como pesquisa acadêmica, indústria e educação, aproximando do conceito de campo, um espaço de disputa em que os sujeitos são unidos por entendimentos e regras compartilhadas.

A American Chemical Society (ACS) cria uma linha do tempo da QV e traça sua origem na importante obra de Rachel Carson (2010) publicada em 1962, “Primavera Silenciosa”, em que ela denuncia o impacto de certos químicos (principalmente os pesticidas 20 organoclorados, como o DDT) sobre ecossistemas locais. A obra teve grande impacto e serviu para despertar o público e os cientistas para os impactos da atividade industrial química, incitando o início do movimento moderno ambientalista e também a criação de políticas de regulação da poluição nos Estados Unidos, como o National Environmental Policy Act (NEPA) em 1969.

As influências no cenário político estadunidense continuam e em 1970 é criada a EPA, uma agência de regulação federal. Seu primeiro ato foi o banimento do DDT e outros pesticidas, passando em seguida a desenvolver uma série de regulações para controlar o impacto ambiental. Durante a década de 1980, uma série de eventos científicos debateu a questão da poluição ambiental e começou a defender a ideia de que não bastava o controle do descarte de resíduos, mas era necessário partir para ações de prevenção: de evitar a geração de substâncias tóxicas ou desnecessárias. Assim, em 1988 é criado o Office of Pollution Prevention and Toxics, divisão da EPA voltada para promover a prevenção de impactos ambientais. Na década de 1990, consolidam-se as políticas de prevenção da poluição e nasce o termo Química Verde.

Em 1998, Paul Anastas e John Warner publicam a obra clássica sobre QV, o livro Green Chemistry: Theory and Practice, que faz um levantamento da QV, demarcando seu conceito, seus métodos de avaliação, desafios e perspectivas. Um dos grandes marcos do livro é estabelecer os 12 Princípios da QV, uma reflexão sobre a ciência que tem sido feita dentro desse campo em seus primórdios e que apontam direções para seu futuro. Os 12 Princípios, conforme definição de Anastas e Warner, assumem o papel de exemplares da prática científica, estratégias definidas dentro da comunidade e que demarcam seu campo de ação. Segue uma definição sucinta de cada um deles:

1 Prevenção: é melhor prevenir o resíduo do que tratar ou limpar o resíduo depois que ele foi criado.

2 Economia Atômica: métodos sintéticos deveriam ser desenhados para maximizar a incorporação de todos os materiais usados no processo dentro do produto final.

3 Sínteses de Produtos Químicos Menos Perigosos: sempre que praticável, métodos sintéticos deveriam ser desenhados para usar e gerar substâncias que possuem pequena ou nenhuma toxicidade para a saúde humana ou ambiente.

4 Design de Produtos Químicos Seguros: produtos químicos deveriam ser projetados para desempenhar suas funções desejadas enquanto minimizam sua toxicidade.

5 Solventes e Auxiliares Seguros: o uso de substâncias auxiliares (por exemplo, solventes, agentes de separação, etc.) deveria se tornar desnecessário sempre que possível e inócuo se usado.

6 Design para Eficiência Energética: requerimento de energia dos processos químicos deveriam ser reconhecidos pelos seus impactos ambientais e econômicos, devendo ser minimizados. Se possível, métodos sintéticos deveriam ser conduzidos em temperatura e pressão ambientes.

7 Uso de Fontes Renováveis: um material bruto ou matéria-prima deveria ser renovável sempre que praticável técnica e economicamente.

8 Redução de Derivados: derivações desnecessárias (uso de grupos bloqueadores, proteção/desproteção, modificação temporária de processos químicos ou físico) deveriam ser minimizados ou evitados se possível, porque tais passos requerem reagentes adicionais e podem gerar resíduos.

9 Catálise: reagentes catalíticos (tão seletivos quanto possível) são melhores que reagentes estequiométricos.

10 Design para Degradação: produtos químicos deveriam ser projetados para que ao fim de suas funções eles se quebrem em produtos de degradação inócuos e não persistam no ambiente.

11 Análise da Prevenção da Poluição em Tempo Real: metodologias analíticas precisam ser mais bem desenvolvidas para permitir monitoramento e controle em tempo real e durante o processo, antes da formação de substâncias perigosas.

12 Química Inerentemente Segura para a Prevenção de Acidentes: substâncias e a forma de uma substância usada em um processo químico deveriam ser escolhidas para minimizar o potencial para acidentes químicos, incluindo liberações, explosões e incêndios.

No Brasil a QV é reconhecida como um conhecimento estratégico para o desenvolvimento econômico, conforme aponta relatório do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O órgão entende a QV como uma estratégia para alcançar uma produção industrial e um crescimento econômico de forma sustentável, pela transformação das commodities renováveis em produtos de alto valor agregado.

Entretanto, diz o CGEE, a efetivação da QV na matriz produtiva brasileira passa pelo fortalecimento da educação em QV em todos os níveis e também pela formação de profissionais para as indústrias, por meio de várias ações, com destaque à criação de uma Escola Brasileira de QV e a estruturação de uma Rede Brasileira de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em QV. Assim, o ensino da QV se torna pauta importante para a sua implementação e difusão.

No Gieq, a investigação de aspectos relativos
ao ensino de QV tem sido uma das principais
linhas de atuação, com diversas publicações
e projetos ao longo dos anos.

 Em 2022, publicamos na Química Nova uma revisão das publicações feitas no Journal of Chemical Education sobre ensino de QV. Você pode conferir mais pesquisas no menu Produções do Grupo.

Também temos desenvolvido um Ambiente Temático Virtual sobre Química Verde, disponibilizado gratuitamente. O ambiente traz diversos recursos para ensino de Química Verde, tais como atividades sobre avaliação de verdura ambiental (benignidade ambiental) que podem ser desenvolvidas com alunos da educação básica e superior.